segunda-feira, 6 de agosto de 2007

No meio do caminho

Em 96, adaptei minha adaptação do teatro para a tv,
que no formato ficou no meio do caminho entre um roteiro e um texto para teatro.

A FLORESTA VERMELHA

roteiro de Rotsen Alves Pereira

Sinopse: um triangulo amoroso com final trágico entre Chapéuzinho Vermelho, Lobo Mau e a Vovózinha.


CENA 1: CASA FLORESTA. EXT/DIA

Dois homens saltam de um carro e caminham até a casa, chamaremos de Mordomo o mais velho e de Novato o mais novo. Um policial dorme dentro da viatura que está estacionada de um lado do quintal, e dois enfermeiros fumam encostados na ambulância do outro lado com suas luzes a piscar.
Existe ainda um carro estacionado no quintal e quase na entrada da casa um bicicleta tombada. Na varanda da casa está o segundo policial. Novato cumprimenta o policial e ele lhe entrega uma prancheta. Mordomo e Novato entram na casa.

CENA 2: CASA DA FLORESTA. SALA. INT/DIA

MORDOMO - Que cheiro bom! (Novato quase vomitando protege o rosto com um lenço e olha sem entender para Mordomo) De sangue garoto, de sangue. Que saudade disso. (Pausa) Trabalho bonito esse, hein? A julgar pelo estilo ou foi Tarantino ou John Woo...

A sala está toda revirada, moveis tombados pratos e vidros quebrados. Os três cadaveres na sala estão assim dispostos: um homem tombado sobre a mesa; uma jovem sentada encostada na parede, com o rosto incrivelmente erguido olha para o homem na mesa, perto dela um boné vermelho e, uma senhora sentada no sofá.

MORDOMO - Se bem que tá mais pra (John) Woo. Quem eram os três?

NOVATO - (Consultando a prancheta) A senhora ali era a dona da casa e morava sozinha, se chamava Marta, a menina era Célia, sua neta e parece que vinha duas vezes a casa da avó. O homem ainda não foi identificado, mas parece se tratar de um vagabundo conhecido por Lobo.

MORDOMO - Lobo... (Abaixando-se próximo a Célia) O que já temos?

NOVATO - A menina ai tem uma coisa cravada na nuca, que seguramente foi o que lhe causou a morte, o cara na mesa teve afundamento de cranio e a senhora no sofá ainda não se sabe do que morreu... (Mordomo olha para Novato que dá de ombros).

MORDOMO - (Examina Marta e observa qualquer coisa nos braços dela) Não fazem nem idéia? (Novato nega)

Mordomo examina Lobo, vasculha toda a sala e descobre uma mulher que está sentada numa cadeira de balanço.

MORDOMO - (Voltando-se para Novato) Esta aqui tá viva! (Novato balança a cabeça) Quem é que tá aí?

NOVATO - Nunes. (Vira-se para a porta e chama) Nunes!

O policial entra olha para Novato e os dois olham para Mordomo que está perto da mulher na cadeira.

NUNES - Os caras tentaram de tudo... nada fez ela largar a cadeira...

MORDOMO - (Se aproximando dos dois) Quem é ela?

NUNES - É a filha da senhora aqui (Aponta para Marta) e mãe da menina.

MORDOMO - Foi ela quem descobriu os corpos? (Nunes concorda) Qual o nome dela?

NUNES - Marcia.

MORDOMO - Como é que ela foi parar ali?

NUNES - Eu cheguei aqui e ‘abri’ a porta, ela passou por mim feito um zumbi e se sentou lá...

Mordomo se aproxima de Marcia. Ela tem hematomas por todo o corpo, os olhos vidrados e belas pernas. Mordomo se senta no chão entre as pernas de Marcia, apoia a cabeça na sua coxa e começa a acariciar-lhe o joelho diante do olhar espantado de Novato e Nunes, o policial acena para a porta e os enfermeiros aparecem. Ficam os quatro homens olhando embasbacados a cena. Mordomo, ainda sentado no chão, balança a cadeira . (Tempo) Conversa com Marcia, não se ouve o que ele fala. Marcia lentamente solta os braços da cadeira e começa a tocar os cabelos de Mordomo. (Tempo) Mordomo leva as mãos a cabeça e segura as mãos de Marcia, se levanta sem soltar as mãos dela, diz-lhe alguma coisa que novamente não ouvimos, ampara-a pelos ombros e caminha para a porta. Cruza com os quatro homens ali ainda embasbacados.

CENA 3: CASA FLORESTA. SALA. INT/DIA

CELIA - (Entra carregando uma mochila) Marta, cheguei... (Fica surpresa com a presença de Lobo sentado na mesa da sala. Marta aparece na porta da cozinha e se aproxima olhando para os dois. Celia não nota a presença da avó. Fica olhando para Lobo).

MARTA - Já se conhecem?

LOBO - De vista.

MARTA - (Para Celia) Aconteceu alguma coisa?

CELIA - (Sem parar de olhar para Lobo) É que eu não tive aula... hoje, e resolvi...

MARTA - Sei, sei... Me de essa mochila aqui e enquanto eu guardo as coisas faça compania para a minha visita.

Celia se senta em frente ao Lobo e Marta sai. Celia e Lobo não falam nada, apenas se olham.

CENA 4: DELEGACIA. INT/DIA

Mordomo e Novato entram na sala e cada um se senta na sua escrivaninha.

NOVATO - Que merda foi aquela cara?

MORDOMO - Hum!?

NOVATO - Com a mulher?

MORDOMO - Ah, eu fiquei louco.

NOVATO - Louco?!

MORDOMO - É.

NOVATO - Como assim, ficou louco?

MORDOMO - Fiquei louco, maluquinho por aquelas pernas...

NOVATO - Como é que é?
MORDOMO - Eu já cheguei no joelho, mais um tempinho e eu subo um pouco mais... (Levantando-se) Eu vou comer alguma coisa (Olha para Novato).
NOVATO - Não, eu não tenho fome.

MORDOMO - (Já saindo) Se você não comer o que é que vai vomitar quanto ver sangue? (Rir)

CENA 5: CASA FLORESTA. SALA. INT/DIA.

MARTA - (Vindo da cozinha, para a neta) Você não deve ter almoçado ainda, então vamos todos almoçar.

CELIA - Não vó, eu não tô com fome e depois eu tenho uma porção de coisa pra fazer para a minha mãe...

MARTA - De jeito nenhum, você não vai fazer isso com a sua vó, vai? (Para Lobo) Você pode me ajudar?

Lobo e Marta vão para a cozinha. Ouve-se Marta discutir com Lobo. Lobo entra na sala, tras pratos e talheres que coloca sobre a mesa e volta para a cozinha.

CENA 6: DELEGACIA. INT/DIA.

Mordomo está na sala entra Novato carregando alguns papeis.

MORDOMO - E então?

NOVATO - (Arruma os papeis sobre sua mesa e pega uma das folhas) Bem, a menina morreu devido ao ferimento na nuca, causado pelo seu prendedor de cabelo, ao que tudo indica ela foi jogada contra a parede e na hora do choque o prendedor entrou na sua nuca. (Pega outra folha sobre a mesa) Já o Lobo...

MORDOMO - Qual é o nome dele?

NOVATO - Não se sabe. Parece que o cara nunca foi fichado.

MORDOMO - Deve ter um registro dele em algum lugar? (Novato gesticula que não) E Lobo?

NOVATO - Pelo que foi levantado, quando apareceu lá pela floresta ele domesticou, ou pelo menos fez amizades com os lobos que nessa época ainda existiam...

MORDOMO - Lobos?

NOVATO - Deviam ser raposas, sei lá... o que eu sei é que a partir disso ele ficou conhecido como Lobo.

MORDOMO - Além dos lobos ele fez amizade com mais alguém?

NOVATO - Acho que com os macacos, cobras, e... (Rir) Não, parece ele só gostava de bichos.

MORDOMO - Então o que ele fazia na casa da vovó?

NOVATO - Isso é uma das coisas que a gente tem que descobrir.

MORDOMO - Hum.

NOVATO - Bem, como eu ia dizendo, o Lobo morreu de afundamento craniano causado pela bengala da vovó.

MORDOMO - A vovó?

NOVATO - A perícia acha que não. O golpe foi desferido com muita violência... Eles constataram também que o Lobo apanhou muito e, um detalhe, sem reagir. (Mordomo não entende) A maioria das pancadas foram dadas nas costas e como não há sinal de que ele tenha sido amarrado e quase não há ferimentos em seus braços...

MORDOMO - Onde esse puto morava, na floresta?

NOVATO - Num pequeno casebre na floresta...

MORDOMO - Não encontraram nada que pudesse identificar o cara?

NOVATO - Disseram que tudo que tinha lá era um colchão sobre uma cama e mais nada...

MORDOMO - Quem garante que ele morava lá? (Novato dá de ombros) Agora por que ele não reagiu?

NOVATO - Essa é outra coisa que a gente tem que descobrir.

MORDOMO - Hum. E a vovó?

NOVATO - Tudo que os peritos conseguiram descobrir foi que os ferimentos que tinha não seriam suficientes para causar a morte dela...

MORDOMO - Mas então do que ela morreu?

NOVATO - Essa é outra coisa que a gente tem que descobrir.

MORDOMO - Esse negócio já tá com coisas demais pra gente descobrir.
Esse filho da puta não deixou nenhuma pista pra gente?

NOVATO - Parece que não... e tem mais uma merda, a casa tava trancada e a chave no bolso da vovó.

MORDOMO - “Essa é outra coisa que a gente tem que descobrir.”

CENA 7: CASA FLORESTA. INT/DIA.

Marta, Celia e Lobo almoçam. O clima é tenso.

MARTA - Está bom o almoço? (Celia e Lobo concordam) Tudo? Gostam de tudo? (Celia e Lobo não entendem) Há coisas que eu não gosto. Não gosto de cão que morde o dono... você dá comida... casa... tudo... e ele vem e lhe morde. Eu odeio isso.

CENA 8: HOSPITAL. SALA. INT/DIA.

Novato com um bloco e caneta na mão está sentado numa cadeira próximo a cama de Marcia e Mordomo circula pelo quarto.

NOVATO - Conte como a senhora descobriu os corpos.

MARCIA - Como a Celia não chegava eu fiquei preocupada e fui até a casa da minha mãe e...

MORDOMO - Como a senhora sabia que ela estava na casa da sua mãe?

MARCIA - Quando eu cheguei em casa encontrei um bilhete dela.

MORDOMO - Por que ficou tão preocupada?
MARCIA - Era minha filha.

MORDOMO - Sim, mas não poderia ter dormido na casa da avó?

MARCIA - Não.

MORDOMO - Por que?

MARCIA - Ela nunca dormia lá.

MORDOMO - Algum motivo para isso?

MARCIA - Nos últimos tempos a minha mãe estava... muito exigente com a sua privacidade...

MORDOMO - O que você fez quando chegou na casa de sua mãe?

MARCIA - (Soluçando) Eu olhei pela janela e vi os corpos...

MORDOMO - Você tem a chave da casa da sua mãe?

MARCIA - Sim.

MORDOMO - Você não entrou na casa?

MARCIA - Não me lembro...

MORDOMO - Não lembra se entrou na casa?

MARCIA - Não...

MORDOMO - Você se lembra de que depois entrou na casa com o policial? (Marcia nega) Lembra como saiu? (Marcia nega) Que pena.

NOVATO - (Após o tempo de silêncio que se seguiu) Sua filha ia toda semana a casa de sua mãe?

MÁRCIA - Duas vezes.

NOVATO - Por que com tanta frequência?

MARCIA - Minha mãe morava sozinha e eu lhe enviava compras...

MORDOMO - Duas vezes por semana?

MARCIA - No começo era só uma ou duas vezes por mês, mas depois... minha filha... ela cuidava se dedicava tão bem a avó... que eu nem precisa mais cuidar de nada...

MORDOMO - Ela tinha dias certos para ir na casa da avó?

MARCIA - Toda terça e quinta.

MORDOMO - Por que só nesses dias?

MARCIA - Eram os dias que ela não tinha inglês.

MORDOMO - E o que ela fazia lá numa segunda?

MARCIA - Não sei.

NOVATO - A senhora sabe alguma coisa sobre o homem que foi encontrado na casa de sua mãe ?

MARCIA - Como?

NOVATO - Alguém conhecido como Lobo. (Marcia nega) Mas já tinha ouvido falar dele. (Marcia nega) Mas ele chega ser quase uma lenda. (Marcia nega)

MORDOMO - A senhora costumava visitar sua mãe?

MARCIA - Eu quase não tinha tempo...

MORDOMO - Sua filha alguma vez mencionou a presença deste homem na casa da sua mãe?

MARCIA - Não.

MORDOMO - Sua filha usava boné? (Marcia não entende) Um boné vermelho.

MARCIA - Mais ou menos... (Mordomo não entende) Quer dizer... ela nunca foi de modismos... e ela não usava... ela o carregava preso a cintura...

MORDOMO - Hum. (Novato se levanta) Sua mãe usava bengala?
MARCIA - Não.

NOVATO - Não!? (Marcia confirma).

MORDOMO - Há quanto tempo não visitava sua mãe.

MARCIA - (Pausa) Depois da morte do meu pai...

MORDOMO - Tudo bem, tudo bem... é só, nós já vamos.

Novato toma a frente e Mordomo o segue. Quando chega na porta Mordomo volta até Marcia, que está sentada na cama. Mordomo arruma o travesseiro e a ajuda a deitar-se.

MORDOMO - (Enquanto tira o cabelo do rosto de Marcia) Vai ficar tudo bem... (Puxa o lençol para cobri-la e deixa as pernas dela a mostra) Tudo bem, tá? (Marcia concorda) Tudo vai ficar bem, tudo. (Faz um carinho no rosto de Marcia) Tudo... (Dá da uma olhada nas pernas de Marcia e sai. Cruza com Novato que tá na porta observando tudo)

CENA 9: HOSPITAL. CORREDORES. INT/DIA.

NOVATO - Cara, o que você quer? Comer a porra da mulher. Você vai acabar nos encrencando.

MORDOMO - De jeito nenhum: esse negócio de bacanal não é comigo não, você não foi convidado. (Rir) Quero que pegue o chaveiro da Marcia e mande alguém a casa da vovózinha testar todas as chaves na porta da casa.

NOVATO - Você não acredita que ela fez aquilo!?

MORDOMO - Acreditar eu acredito, mas espero que não... por que senão eu vou ficar sem aquelas pernas.

NOVATO - E a história da bengala, será que a bengala não era da vovózinha?

MORDOMO - Não, era sim.

NOVATO - E se não for. (Mordomo dá de ombros) E o que é que você queria com o boné da menina?

MORDOMO - Ela morreu porque o prendedor de cabelo entrou na sua nuca certo? Se ela usava boné, pra que ia usar prendedor de cabelo?

NOVATO - É, faz sentido.

CENA 10: CASA FLORESTA. SALA. INT/DIA.

MARTA - (Enquanto se levanta e recolhe os pratos) Agora a sobremesa, eu fiz um delicioso pudim.

Marta vai na cozinha e retorna com o pudim.

MARTA - (Põe o pudim sobre a mesa e distribui os pratos. Ainda de pé) Podem se servir. (Celia se serve. Marta vai até a porta, tranca-a e coloca a chave no bolso. Volta até a mesa e se senta.) Está bom? Delicioso não? Pena que eu não possa.

CENA 11: DELEGACIA. INT/DIA.

NOVATO - Você tinha razão quanto a chave...

MORDOMO - (Sem entusiasmo) Não falei, todos aqueles ferimentos nela... a idéia de que quando viu os corpos saiu correndo feito louca... se ferindo daquele jeito, não podia ser verdade. E o tanto que ela correu, ela foi encontrada... a quantos quilometros mesmo da casa da mãe? Sei lá, mais ela correu um bocado... não dava pra ser verdade. É uma pena.

NOVATO - O que é uma pena? Ela ter cometido os crimes ou você não ter mais chances de comê-la?

MORDOMO - As duas coisas estão diretamente ligadas. (Se alegrando) Mas espera aí, tem um sistema de visitas conjugais na cadeia não tem?

NOVATO - Vai casar com ela?

MORDOMO - Não, só subornar algum carcereiro.

NOVATO - Ah bom. E se não foi ela?

MORDOMO - E as evidencias? Afinal, ou o criminoso tinha a chave ou evaporou.

NOVATO - Mas por que ela ia fazer uma merda daquelas?
MORDOMO - “Essa é outra coisa que a gente ‘talvez’ não descubra”.

NOVATO - (Sacudindo o molho de chaves) Só tem um problema. (Mostra uma daquelas chaves antigas e gradonas) A chave serviu na fechadura, só que a fechadura não era mais usada.

MORDOMO - Como que é?

NOVATO - A vovó trocou, trocou não, instalou nova fechadura e a antiga ficou lá, só não era usada, tanto que a chave da velha fechadura não tava mais no chaveiro da vovó. E a julgar pelo tempo que a filha dela não passava por lá, não acredito que ela tinha a nova chave.

MORDOMO - Seu filho da puta!

NOVATO - (Rindo) Achou que ia ficar sem as pernas... Voltamos a estaca zero. O que pode ter acontecido? Não consigo imaginar nada.

MORDOMO - Pra mim foi o lenhador.

NOVATO - Que lenhador?

MORDOMO - Você não leu Chapeuzinho Vermelho

NOVATO - O que?

MORDOMO - Chapeuzinho Vermelho, o Lobo Mau, Vovózinha, etc, etc... Saca?

NOVATO - Do que você tá falando?

MORDOMO - Você não leu?

NOVATO - Claro que li, agora o que isso tem a ver?

MORDOMO - Ué, nos temos a vovózinha, temos a sua netinha, temos até o lobo mal, só não temos o lenhador, logo só pode ter sido ele o assassino. O problema é que na nossa história ele matou todo mundo e evaporou, certo?

NOVATO - Vai ficar de sacanagem com a minha cara, vai?

MORDOMO - Até agora eu pensava que poderia ser a Marcia. Mas se não foi ela e, niguém entrou ou saiu da casa além dos mortos, só pode ter sido um dos três...

NOVATO - (Brincando) Talvés a vovózinha?

MORDOMO - Isso mesmo.

NOVATO - Tá maluco?

MORDOMO - Quer saber o que eu penso, o Lobo Mau papava a Vovózinha e também a Chapéuzinho. Aí Chapéuzinho pintou lá num dia em que não era esperada, e acabou dando na pinta, a Vovózinha castigou o Lobo até a morte e matou Chapéuzinho, por acidente se você quer saber.

NOVATO - Agora eu sei por que te chamam de Mordomo. A solução mais fácil e culpar o mordomo.

MORDOMO - Fácil, você acha tudo isso fácil?

NOVATO - Agora falando serio...

MORDOMO - Mas vai ser isso que eu vou colocar no meu relátorio. A única coisa que eu ainda não sei e como a vovó morreu. Os perítos já conseguiram alguma boa nova?

NOVATO - Eu tô em cima deles, mas fazer aqueles caras pegarem um presunto depois que eles engavetam é a coisa mais difícil deste mundo.

MORDOMO - Que bom, assim eu tenho um pretexto para uma visita.

NOVATO - Você não vai ao hospital, vai?

MORDOMO - (Feliz) Vou sim. (Novato se aproxima dele e ele balança o dedo) Sozinho. (Sai)

NOVATO - Esse cara vai arrumar merda.

CENA 12: CASA DA FLORESTA. INT/DIA.

Marta se levanta pega o prato a sua frente, vai retirar a mesa, Lobo esboça a intenção de ajuda-la.

MARTA - (Para Lobo) Vai me ajudar? Não precisa. (Põe o prato que está segurando novamente sobre a mesa e num sanafão puxa a toalha derrubando tudo. Para a neta que quase cai da cadeira) Assustou-se? (Pega a bengala) É... não gosto de cães que mordem o dono, não gosto...

Marta num ato inesperado desfere uma porrada com a bengala nas costas do Lobo. [Para que esta cena seja viável é necessário que as cadeiras não tenham encosto] O Lobo parece não se surpreender, suas únicas reações são uma leve contração e segurar a borda da mesa.

MARTA - (Marta circunda a mesa e nesse momento está nas costas de Celia) Tem um ditado que diz que parentes são iguais aos dentes: estão próximos mas de vez em quando mordem a língua. (Celia se contrai toda esperando a porrada. Marta rir diante dessa reação e continuando a caminhar está de novo nas costa de Lobo e lhe desfere outra porrada. A reação do Lobo é igual a anterior. Quem mais parece sentir as porradas que o Lobo leva é Celia.

MARTA - (Para o Lobo) Pensei que você fosse incapaz de amar alguém... E logo quem... A netinha tão dedicada da vovó... (Desfere várias bengaladas no Lobo)

Celia está em pânico, prestes a explodir. Lobo percebe isto e lhe diz com movimentos labiais: NÃO.

MARTA - Eu só não entendia por que ficava... já que não me...

Um raiva incontrolável se apodera de Marta e ela começa a bater com a bengala nas costa de Lobo num ritmo frenético. Celia não aguenta mais ver isto e se levanta atracando-se a Marta. Só neste momento Lobo reage, mas ao se levantar recebe uma bengalada na cabeça e cai morto, tombando sobre a mesa. Marta e Celia continuam atracadas e lutam, destruindo toda a sala. Em dado momento Marta arremessa Celia contra a parede. A cabeça de Celia se choca contra a parede e ela escorrega até ficar sentada, também morta. Marta cansada caminha até o sofá e se senta.

CENA 13: HOSPITAL. SALA. INT/DIA.

Mordomo entra e encontra Marcia se preparando para sair.

MORDOMO - Você vai pra onde?

MARCIA - Para casa.
MORDOMO - Tem quem a leve?

MARCIA - Eu já pedi um taxi.

MORDOMO - Eu posso leva-la...

MARCIA - Não precisa se incomodar.

MORDOMO - Não é incomodo...

MARCIA - Mas tem o taxi...

MORDOMO - Dispense o taxi.

MARCIA - Não, não...

MORDOMO - (Pegando a mala dela) A mala você vai me deixar carregar?

CENA 14: HOSPITAL. CORREDORES. INT/DIA.

Mordomo fica para trás, observa as pernas de Marcia e meneia a cabeça.

MARCIA - (Voltando-se) Está muito pesada?

MORDOMO - Não, não... (Se põe ao lado de Marcia) Me diga, sua mãe sofria de alguma coisa... (Marcia não entende) Bem, é que não sabemos do que ela morreu e... eu pensei que talvés... pudesse estar associada a...

MARCIA - Ela era diabetica.

MORDOMO - Como é que aqueles filhos da puta não viram isso... (Para Marcia) Desculpe, desculpe... (Pausa) O grau do diabete dela era alto? (Marcia concorda).

CENA 15: HOSPITAL. EXT/DIA.

Enquanto o motorista do taxi põe a mala de Marcia na mala do carro.

MORDOMO - Você tem certeza que não quer minha carona, esse motorista tem cara de quem comprou a carteira?

Marcia ri, entra no taxi e vai embora. Novato aparece e se aproxima.

NOVATO - (Os dois estão olhando para o taxi que se afasta) Vai deixar as pernas escaparem? (Mostrando uma folha) Sabe o que é isso?

MORDOMO - Eles descobriram que a vovózinha sofria de diabete.

NOVATO - Como é que... (Pausa) Acha que ela morreu disso?

MORDOMO - Se ela não tomou insulina, sim. Mas isso é uma das coisas que eu não tô nem preocupado em descobrir.

FIM

Primeiro Parágrafo

Floresta Vermelha
ou a verdeira história de chapeuzinho vermelho


Célia está morta. Sentada no chão, está recostada numa das paredes da sala. As pernas esticadas e abertas formam um V. Sua cabeça não está tombada, mas apoiada na parede. O sangue que escorreu da sua nuca transformou parte de seu longo cabelo em dreads grudentos, que se uniram à parede e ao seu pescoço. Ao lado do corpo, ao alcance da mão, um boné vermelho com a logomarca dos cigarros Malboro. Os olhos abertos e fixos em João. Ele está sentado num banco e tombado sobre a mesa de jantar, o rosto voltado para Célia, parece que se olham. O ferimento nele também foi na cabeça. Seu sangue espalhou-se sobre a mesa e cingiu os cacos dos pratos quebrados, dos copos tombados, misturou-se com restos de pudim e as colheres de sobremesa. O sangue perdeu a viscosidade do inicio, agora é só uma mancha escura sobre a mesa rústica de madeira. Marta, está sentada no sofá, parece uma expectadora da cena, uma das mãos descansa no braço do sofá, a outra segura sua bengala apoiada no chão, dá a impressão que vai se levantar. A mão que segura a bengala, na parte em que ela lembra uma maçaneta, está suja de sangue, mas não há nenhum sinal de ferimento em Marta. Ela não tem a palidez cadavérica dos outros dois, e tirando sua imobilidade, parece estar viva.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Se você tem uma história onde...

Como muitos escritores, comecei com as pseudo poesias, mas sempre com o desejo de alcançar a prosa, anotando em qualquer pedaço de papel uma idéia que iria gerar um grande livro. A primeira história veio no início dos anos 90, através de um concurso de teatro infantil promovido pela Coca-Cola. O cartaz do concurso dizia assim:

SE VOCÊ TEM UMA HISTÓRIA ONDE O LOBO NÃO É MAL,
NEM MORRE NO FINAL,
INSCREVA-A NO CONCURSO DE TEATRO INFANTIL...

Colei este cartaz numa das minhas paredes e até hoje ele permanece na minha memória. O concurso não deu em nada, quer dizer, resultou no meu primeiro texto em prosa. Depois o adaptei a um concurso de roteiro, quando ele adquiriu um tom Tarantino, ou seja, com muito sangue. Hoje, divido com vocês o trabalho de transforma-lo num romance policial.